sexta-feira, 14 de maio de 2010



PROMESSA

A um país distante
A uma terra por alcançar
Irão ter os meus sonhos
Irá este navio atracar
Irá o sol ser mais brilhante
Nesse mundo que ainda não é meu
Mas será doce o meu destino
Porque esse destino será também teu
Não me perguntes porque idealizo
Uma outra vida
Um outro caminho
Um outro existir
Porque as respostas que te der
Não têm a força merecida
Nem sabem ao tempo resistir

Mas nesse país distante
Nessa terra por alcançar
Haverá sereias de saias douradas
Haverá dias limpos, noites lavadas
E um chão de linho
Para me perder e te amar
Haverá paredes caiadas de branco ou da cor da alegria
E nelas escreveremos
As palavras loucas da nossa rebeldia

E nesse país distante
Nessa terra por alcançar
Virão até nós dedos de cristal
Pintar o futuro de uma cor aberta
Serão dedos gigantes
À medida das nossas utopias
E a cor por eles espraiada
Será também a cor de todos os dias


Quando nesse país distante
E nessa terra por alcançar
Os nossos corpos acordarem exaustos
Suados, mas cintilantes de amor ou de promessas juradas
Haverá novos mundos para ambos
E as vidas que queremos
Não serão mais adiadas.

quinta-feira, 13 de maio de 2010



NA PRAIA, DEITADO

Deitei-me na praia da vida
A ver o mar que era azul
E de todas as cores que há no universo
Formei com os grãos de areia
O teu corpo
Perfeito
E imaginei o teu regresso
Ouvi a tua voz nas ondas
A cantar canções numa língua surpreendente
Beijei a tua pele salgada
E senti a boca quente, inquieta

Silenciei o tempo e o canto amargurado das gaivotas
Que sobre o teu corpo voavam
Anulei qualquer infelicidade
Que naquele momento pudesse sentir
Recriei os teus lábios
Aveludados
Na tua boca sempre a sorrir

Abri os olhos e limitei-me a saber que tu não estavas
Afoguei todas as ondas rebeldes
Que queriam fazer-me companhia
Despedi-me das rochas
Afaguei o sol
E inalei a brisa que do mar nascia

Levantei o meu corpo da areia
E nos seus grãos ficaram os nossos corpos
Enlaçados
Quis ser feliz e conhecer a perfeição
Dizer a todos e a tudo que tinhas regressado
Mas naquele momento
Sobre a areia parado
Vi apenas a solidão

terça-feira, 11 de maio de 2010


TEMPO

Há quanto tempo procuras
A cor de uma vida, o som de uma canção
O regresso de uma despedida
Vivida assim, cheia de emoção
Há quanto tempo esperas
Folhear livros que acabaste de redigir
Saltar cidades, países ou continentes
E voltar, sempre, mesmo sem saberes partir
Há quanto tempo aguardas
A suavidade das cores, novas matizes
Ir ao encontro das origens
Escondidas nas tuas raízes
Há quanto tempo anseias
Pelas horas que deixaste morrer
Nos prados, nos montes, nos rios
Porque tinhas pressa em viver
Há quanto tempo sufocas
Gritos dessa garganta que se querem soltar
Não receies, procura o tempo
Ladeia-o no seu caminhar
Há quanto tempo impedes
Que a vida se desenvolva em cores
Não duvides, há nova vida
A nascer em ti, sem dores
Há quanto tempo asfixias
Momentos que foste desenhando
Não suspeites desses momentos
Que em tua direcção estão caminhando
Há quanto tempo estrangulas
Bandeiras brancas na tua mão
Liberta-as, deixa-as voar
Segue na sua direcção
Há quanto tempo desconfias
Que não existe felicidade
Será desde o dia em que nasceste
Tem esse tempo a tua idade
Há quanto tempo suspeitas
Que a vida não te quer sorrir
Afoga as lágrimas, esconde-as ou liberta-as
Não tenhas medo de te descobrir
Há quanto tempo espelhas
Esse olhar perdido, parado
Enriquece-o com um brilho
Dá-lhe um tom iluminado
Há quanto tempo tens tempo
Para pensar em tudo, em nada
Foge do tempo e arranja tempo
Terás a alma libertada.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

QUERO

Lentamente
Vem a tua voz ao meu encontro
Ouço sons sibilantes, sonoros, suaves
Vêm pé ante pé
Com carinho
Pelas idades do caminho
Trazem-me paz, estas brancas sonoridades
E com elas vem o ruído adocicado do amor
Deixam-me sem fôlego, mas cheio de cor
Sou então mais do que eu
Voo
Lanço-me na aventura da viagem que contigo quero fazer
Há um céu à nossa espera
Há um tempo que desespera
Se não nos vê a aparecer
Grito
Neste silêncio rebelde, sem vontade de ficar
Alcanço com a tua voz a felicidade e o bem-estar
Não, não sei dizer de que tamanho sou eu
Não sei o motivo por que esta alegria apareceu
Sei apenas que sou capaz
De dizer-te, mesmo baixinho,
Mesmo assim, devagarinho
Que a felicidade mora ao pé de mim.
Ficou no meu terraço
Durante a noite enrola-me num revoltado abraço
E de dia diz-me que hás-de voltar
Não, não desespero
Não sei ainda o que quero
Mas sei que na cor da tua voz
Sei ser mais do que somos nós
Não, não me cortes a ambição
Não me apetece a solidão
Quero ondas no meu sentir
Quero a alma de novo a sorrir
Quero beijar-te, meu coração.
Digo outra vez todas as ruas por onde andei
Bebo outra vez todos os verbos que conjuguei
Quando estava sem ti, sozinho
E agora que a tua voz se aproxima
Agora que a vida comigo rima
Danço sem fôlego, neste caminho
Feito de pétalas e de perfume de laranjeira
De um calor de qualquer lareira
De uma amêndoa que adoça a boca
Ou de um livro entreaberto
Deixa-me ler as palavras que ainda não sabes dizer
Deixa-me tocar-te com os dedos
E o teu corpo percorrer
Quero ir para lá da linha de perigo
Fazer da minha alma um castigo
Quero tudo,
Mesmo louco, ou com juízo,
Quero a vida de que preciso
Quero apenas isto: viver.
O CAMINHO

Qualquer caminho por onde passes
Terá a minha mão a orientar-te
Será vento no teu rosto
Serão bosques no teu sentir
Será perfume ao sol-posto
Ou ondas de um mar a fugir
Qualquer caminho que percorras
Terá sempre luz a ajudar-te
Será um gato aninhado ao sol
Lambendo o corpo e o vazio
Será flor, água ou tronco
Vela à solta de um navio
Qualquer caminho que desbraves
Terá sons que vão apoiar-te
Será riso, choro ou ternura
Será o que a vida ainda te quer oferecer
Terá mel tomado em jejum
Nas taças do amanhecer
Qualquer caminho que prossigas
Terá os meus olhos como horizonte
Será dia de relva vestido
Lezíria, campo ou monte
Terá pássaros voando em círculo
E água fresca da fonte
Qualquer caminho que pises
A qualquer hora, a qualquer momento
Terá escrito na sombra do vento
O meu nome, com todas as letras arrumadas
E se o caminho não encontrares
Não desanimes
Não venhas ao encontro do que perdeste
Avança, mesmo sem saber
Terás o que procuras: o teu tempo, o teu viver.

domingo, 9 de maio de 2010

DANÇA DO PASSADO

Tenho sono
Fecham-se-me as pálpebras
Nesta hora de ir dormir já não consigo pensar
Mas resisto
Teimo comigo
Corpo, não te vás deitar
Mas os olhos ficam fechados
E mesmo com os dedos a escrever
Adormeço, já não consigo
Sinto o corpo a adormecer

Mas eis que de repente
Na escuridão do meu olhar
Vejo os fantasmas do passado
Vieram comigo dançar

Trazem-me as cores da minha infância
E o verde da minha saudade
Há neste regresso do tempo
Tempo sem nenhuma maldade
Sinto os cheiros que eram o meu mundo
E a minha letra, ainda perfeita, tão pequena
Viajo no tempo, mas não me afundo
Reencontro a vida serena
Vou contente para a escola
E levo bata branca vestida
Olho a bata e vejo as cores
Com que pinto a minha vida
Beijo a inocência desse viver
Abraço o pescoço da minha mãe
Afago-lhe os cabelos
Beijo-lhe os olhos
Invejo a paciência que ela tem

Cruzo-me com o meu pai
E no azul do seu olhar vejo-me ao espelho, sorrindo
É um azul que deste tempo não sai
Mas esse tempo era lindo

Há ainda uma casa pequena, umas árvores e a vida em flor
Não conhecia a palavra guerra
Conhecia o cheiro do chão, sempre a brincar
Mesmo em silêncio, tristonho

Sou agora eu, outra vez
Mas que importa, consigo sempre voltar
Mesmo que seja num simples sonho

ANTEVISÃO

Há nos braços do meu tempo
Fios de seda, flores de mágoas
Há nos risos da vida
A sede feita de muitas águas
Não há tempo para a seda
Se reinventar em tecido
Só há tempo para as mágoas
Fazerem este tempo sentido
Há nos olhos do meu viver
Cores indecisas e sem fulgor
Há nas pernas da minha alma
Algum cansaço, alguma dor
Não há horizonte para os olhos
Nem telas por preencher
As pernas não querem andar
A dor insiste em permanecer
Há nas costas da minha alma
Um rio feito de saudade
Há no coração do meu sofrimento
O cheiro de não ter vontade
Não há alma que aguente
O sofrimento que este coração tem
Nem há saudade que se invente
Quando a alma cheiro não tem
Há na boca do meu pensamento
As palavras que não sabem sorrir
Há nos lábios que eu invento
Um sorriso por descobrir
Não há pensamento que esmoreça
Quando a boca quer falar
Nem sorriso que desapareça
Quando os lábios se querem fechar
Há nos cabelos da minha emoção
Tudo o que os mares querem oferecer
Há no rosto da criação
Algum tempo para eu viver
Não há emoção que eu não conheça
Nem mares que eu não queira percorrer
Há apenas mundo frio, tempo apagado
Quando a minha poesia morrer