quarta-feira, 26 de maio de 2010



PARTIDA

Por entre os dedos de uma manhã
Vejo passar o tempo ilusório
Inconstante
Imperfeito
Saboreio os raios da madrugada
Como se o tempo fosse o meu leito
Folheio a vida bem cedo
Para a não perder do meu caminho
Mas não acompanho o passo do tempo
E ele voa
Por todos os ares
Nas profundezas dos mares
Longe de mim, sozinho

Sinto a idade e sinto a existência
Na fugacidade daquilo que faço
Cada asa que tento seguir
É um ápice que vejo partir
E a vida em mim redobra o passo
Sinto o ardor do que não fiz
E as portas da coragem entreabertas
Sorrindo com ar de desdém
Todas as ruas que invento estão desertas
Procuro o espelho do que fui
O espelho imagem não tem

Tempo fuga em rapidez
Não me abandones assim por entre os dedos
Abandona a tua altivez
Oferece à vida o que ela não fez
Desvenda-lhe alguns dos seus segredos
Tempo evasão não te apresses
Porque há tanto por descobrir
Acorda agora que adormeces
Faz dos sonhos minhas preces
Não me deixes sem insistir
Tempo ilusão não me abandones
Não abdiques do teu pulsar
Dá-me tempo
Traz depressa à minha estrada
O brilho de certa madrugada
Quero de novo acordar
Tempo inconstante não me tortures
Nem me faças querer desistir
Devolve-me as asas que me tiraste
Embrulha-me no mar que já secaste
Faz-me de novo sorrir
Tempo imperfeito não te conjugues
No presente ou no passado
Faz-me ser cor, sonho ou dança no futuro
Ou em algum lugar infinito
Se me tiras a pessoa
Se deste modo me trocas a vida
Se não tens hora conjugada
Então por que existes na minha vontade
Vai, não me deixes em saudade
Porque eu sem ti já não sou nada.

terça-feira, 25 de maio de 2010




EU

Corro inquieto
Como se o amanhã fugisse de mim
Sou vento, tempo deserto
Procuro a razão de ser assim
Não vejo tempo para tudo o que quero
Não encontro água para o tamanho da minha sede
Constantemente hesito, recupero
Neste circo em que vivo não existe a rede
Vou saltitando
Qual andorinha que o longe procura
Nas águas que vou pisando
Beijo o riso, abraço a aventura
E se balanço com a brisa que passa
Nas sombras do tempo que me foge assim
Tento agarrar a cor que disfarça
A palidez dos dias sem fim
Sou erva daninha, água que corre
Sou margem de rio rasgada furiosamente
Sonho em cada instante que o tempo não morre
Porque só assim consigo ser gente
Bailo nas asas da gaivota que grita
Por cima das ondas de um mar em sal
E no perfume de cada manhã bonita
Encontro a forma de me desviar do mal
Sou muro erguido de branco caiado
Gato escondido querendo brincar
Nas janelas que abro fico encantado
E no toque das nuvens encontro o luar
Rasgo os caminhos que não percorri
Com as palavras da fantasia
E todos os versos que ainda não escrevi
São a seiva viva deste tempo em magia
Desenho palavras com as cores desta vida
Porque só assim me sinto preenchido
Sou horizonte, ave perdida
Sangue escorrendo ou vinho bebido
Sou fúria ou soco ou simples aviso
Daquilo que ainda não consigo saber
Beijo fugas nos lábios do meu sorriso
Serei tudo ou nada, sou gente a viver.

domingo, 23 de maio de 2010




OUTRO EU

Fosse eu água, ave ou erva
E todo o meu ser seria eu
Teria a cor do infinito
Libertaria a cor do grito
Que no meu peito ainda não morreu
Seria inconstante, marinheiro
Barco
Povo aventureiro
Onda de um mar aflito
Seria liberdade, movimento
Asa
Canto
Rasgaria os céus
Voaria até aos horizontes
Pararia nas esquinas das fontes
Para me alimentar no caminho
Seria erva daninha, rebelde, insurrecta
E na lezíria seria aventura
Teria a cor mais pura
Que a cor da alma de um poeta
Fosse eu água, ave ou erva
E todo o meu tempo não teria fim
O meu nome seria escrito
Nos céus
Nos mares
Nos canteiros de qualquer jardim
Seria abril
Seria rio
Seria voo fugidio
Seria tudo menos o que sou eu
Fosse eu água, ave ou erva
Teria a vida que desejo
E o sonho que é só meu
Seria azul ou transparente
Mataria sede e raiva
Seria a alma de muita gente
O meu canto seria dança
No bico transportaria a esperança
Aos lugares que desconheço
Cresceria verde
Junto às árvores
Pelas flores teria amizade
Seria tudo o que em mim desconheço
Se fosse água, ave ou erva
Seria eu em liberdade